CAMINHOS
"O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas olhando para a direita e para a esquerda e de vez em quando olhando para trás...E o que vejo a cada momento é aquilo que nunca antes eu tinha visto. E eu sei dar por isso muito bem...Sei ter o pasmo essencial que tem uma criança, se ao nascer, reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo."
Fernando Pessoa
Chega um dia que descobrimos outros ângulos na nossa direção, outras cores do mundo, outros aromas no ar, aprendemos a enxergar o valor das coisas mais simples e mais próximas. Renovamos os pensamentos e recomeçamos uma vida com esperança porque acreditamos nas nossas próprias potencialidades.
Os anos passam e envolvidos com a rotina desenfreada deixamos escapar percepções de novas alternativas para uma existência mais rica nas suas criatividades. E é nessa renovação que é possível experimentarmos as sensações do outro lado desconhecido.
Reiniciar alguma coisa é seguir em frente com disposição de contornar os infortúnios inesperados com sabedoria e segurança. Como caminhar na floresta e enfrentar pedras, cobras lamas e outros bichos, mas com satisfação e tranqüilidade da nova experiência. Uma espécie de olho mágico ou terceira visão. O velho foi-se embora e o novo chegou. O novo não está conectado com o velho, não existe vínculo entre eles. Não é o velho que continua numa nova forma, mas sim outro caminho, outra escolha mais fortalecida e interessante.
E para continuarmos numa nova direção é preciso encarar os fatos porque a partir de agora seremos capazes de fazer muitas coisas e com qualidade de ação muito mais empolgante. Outro tipo de trabalho, outro tipo de amor. Não será desse tipo no qual algumas vezes nós amamos e outras vezes não amamos. Será a nossa própria existência. Toda ação e todo relacionamento terá uma qualidade, um significado, uma profundidade diferente.
Pode não haver alguma similaridade óbvia, mas se o poeta, por exemplo, sentir por qualquer motivo, que há semelhança, isso será suficiente. Os poetas têm se comportado assim. Eles saltam de um ponto para outro pela vontade de criar, renovar, descobrir novos poemas.
Se quiser encontrar-se, ainda tem tempo. Nós não perdemos nada do que jamais tenhamos dito. E se às vezes sentimos um grande vazio, uma ânsia nas entranhas, uma coisa gritando para sair, é essa singularidade avisando da nova escolha. A vida feliz e produtiva.
Ninguém pode ser sempre o mesmo uma vida inteira, ontem, por exemplo, o tempo estava chuvoso e eu planejei algumas coisas em função da minha disponibilidade considerando o que pretendia no dia de ontem. Mas hoje, o sol ilumina a varanda e os meus planos são outros em função do clima, da minha vontade e do que preciso fazer.
O difícil da tarefa de viver está em aprender como viver. Navegar significa descobrir o modo de viver a vida com entusiasmo. Mas isso não basta! Isso não constitui nosso gozo, prazer e felicidade. Nossa alegria começa quando nos dispomos da vontade de reiniciarmos uma nova experiência repleta de coisas boas e saudáveis.
Não é um saber que diz o que as coisas são. É uma prática que diz como proceder-mos. É uma ética, um estilo de proceder, que, embora nada saiba das coisas, consegue morar bem ou estar bem. Portanto, o caminho está na coragem de viver as dificuldades da vida, de mergulhar no meio da situação como o pássaro no meio da tempestade.
Márcia Rampinelli
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